De vez em quando encontro uma pequena pérola como esta que me transporta até uns bons anos atrás e me faz sorrir, de saudade. Como se perde ao longo do tempo esta inocência, esta capacidade de nos ligarmos assim aos outros , sem reservas ,sem qualquer medo! Se ao menos as tivermos compensado de algum modo com outras aprendizagens...
(Luisa)
Irmãos de sangue
Os dois rapazes deixaram-se ficar encostados à parede entre o restaurante e a esquina.
Ouvindo-os falar, percebia-se que conversavam em arábico.
Falaram-me quando eu ia a passar. Queriam uma indicação sobre uma carreira de autocarro. Não me aproximei muito e perguntei:
- São de Marrocos?
Disseram-me que um era, o outro era argelino.
- Conheceram-se aqui?
Sim. Somos irmãos de sangue!
- Como irmãos de sangue? Um argelino, o outro marroquino?
Mostraram-me as palmas das suas mãos direitas. Ambas apresentavam um sulco, a sarar, mas uma delas ainda com crosta. Engancharam os polegares e apertaram as mãos uma na outra.
Ri-me. Lembrei-me da minha infância, dos pactos, das irmandades, das juras eternas, dos segredos de Sandokan, o Tigre da Malásia, das vinganças do Conde de Monte-Cristo.
A gente fazia um golpe nas mãos uns dos outros e misturávamos os sangues.
- Então é assim que vocês são irmãos?! - perguntei.
Riram-se como dois putos.
- Sim, de sangue! - disseram com os olhos a brilhar.
E ensinei-lhes o autocarro.
Ainda hoje penso que é muito bom ter irmãos de sangue...
Joaquim Letria in Cais, Maio 2011
1 comment:
Podes crer :)
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