2011/06/30

historias de ida e volta

Fábrica da Pólvora de Barcarena, 25 e 26 Junho 2011

Foi um festival lindo. Foi uma explosão de alegria, de festa, de natureza e de sol. Houve histórias, brincadeiras, árvores, rio, aprendizagens, histórias, livros, artesãos e objectos encantatórios, tecidos, animais fantásticos,  histórias, pregões, cantos, danças, filme,  histórias, pinturas, sopa, adivinhas, sombras,  grandes contadores, entusiasmo, histórias, bébés, crianças, gente crescida, gente crescida que também é criança, histórias ... e a olhar-nos, a olhar-nos de cima, enorme, serena, de forma benévola e sábia, linda de morrer, a nossa guardiã colorida de todas as cores, como se fosse a mãe de todas as histórias, aquela onde todas as histórias estão guardadas, as nossas e as dos nossos pais e dos nossos filhos, as que já foram contadas e as que estão ainda por contar.


luisa

ressaca...

depois de quase uma semana de contos escutados e contados, em quantidade e qualidade, em praças e jardins e pátios e fábricas, ao sol e à luz das estrelas, em inglês e em português, o que me apetece mesmo é enrolar-me em silêncio para os contos terem tempo para alojar-se em mim... neste sofá seria bom!


bjñs quietos
sfaia

2011/06/24

O Tim foi um dos primeiros contadores que ouvi aqui em Portugal. Fiquei fascinada, mesmo quando não percebia nada. (pois, devo dizer, não sou muito ferrada em inglês...) A voz do Tim transporta-nos direitinhos para um mundo de outras cores, melhor que qualquer máquina de viajar. Hoje estará no espaço Sou, em Lisboa. Já estou a contar os minutos....

Para quem ainda não o conhece, aqui vai um das suas histórias maravilhosas, recolhidas no livro "Contos do mundo".


A semente
de Tim Bowley

A jovem pobre ficou profundamente excitada quando ouviu anunciar que quem quisesse casar com o rei devia dirigir-se ao palácio, pois certo dia tinha-o visto passar a cavalo e ficara apaixonada por ele. Assim, foi a correr ter com a mãe: - Vou ao palácio - disse, -vou casar com o rei!
A mãe sorriu e abanou a cabeça: - Sempre a sonhar! O rei não se refere a raparigas pobres como tu. Aquilo é para ricas, para as nobres. Se lá fores, eles riem-se de ti e correm contigo. - Não importa - disse a rapariga - Vou até lá. Quero casar com ele.
No dia seguinte foi ao palácio e, tal como a mãe previra, apenas as mulheres mais ricas e mais belas do reino lá estavam. A jovem pobre foi para o lugar que lhe indicaram, no fim da fila, enquanto as outras mulheres troçavam dela entre si e a ignoravam. Pouco depois, o rei apareceu e todas as mulheres afivelaram os seus sorrisos mais coquetes, excepto a jovem pobre, que ficou em pé no fim da fila, com a cabeça curvada, sem se atrever sequer a olhá-lo de frente. O rei percorreu a fila e deu a cada uma um vaso com uma semente. Depois voltou a subir ao estrado e disse: - Vão para casa. Plantem a semente que está dentro do vaso. Voltem daqui a três meses e casarei com aquela que tiver plantado a flor mais bela. A jovem pobre levou o vaso e a semente para casa, com o coração a palpitar. Quando lá chegou, plantou cuidadosamente a semente e regou-a. todos os dias em que fazia sol ela punha o vaso lá fora e regava-o; levava-o para dentro de noite, quando estava frio, falava com ele, cantava para ele, mas não nascia nada. Ainda assim não se dava por vencida. Embora os dias se transformassem em semanas e as semanas em meses, continuava a cuidar da semente com esmero, mas, apesar de todos os esforços, o vaso com terra não passava de um vaso com terra. Quando os três meses se esgotaram, nem uma folhinha pequena tinha rompido a terra.  - Amanhã é o dia de ir ao palácio - disse ela, triste. - Ir ao palácio? - Esganiçou a mãe. - Tu não podes ir ao palácio. Olha para o teu vaso, está vazio! Eles vão correr contigo, vão-te bater! - Bem, - disse ela - podem me fazer o que quiserem, mas pelo menos poderei ver o rei uma vez mais. No dia seguinte ela pegou no vaso e dirigiu-se ao palácio. Quando lá chegou, o seu coração esmoreceu, pois estavam lá todas as mulheres, e cada uma tinha uma flor mais bonita do que a outra. Cores incríveis, formas fantásticas, aromas maravilhosos. Não faltaram risadas quando viram a jovem pobre chegar com o vaso vazio, mas ela nada disse e foi para o seu lugar para o fim da fila. O rei não tardou a aparecer. Percorreu a fila de belas mulheres com as suas flores maravilhosas sem sequer olhar para elas. Foi até ao fim da fila, onde estava a jovem pobre com o vaso vazio e pegou-lhe na mão. Conduziu-a até ao estrado e disse: - É esta a mulher com quem casarei. - As outras ficaram furiosas. - Como podei casar-vos com ela? Ela não trouxe nada! Vede a minha flor, é linda! Olhai para mim, vede o que trago! Ela não trouxe nada! Ela não trouxe nada! - O rei ergueu a mão, pedindo silêncio. - Está jovem cultivou a mais bela de todas as flores. E essa flor chama-se honestidade, pois as sementes que vos dei eram todas estéreis.

Antonella

2011/06/23

grande amigo

 Hoje, que já é Verão,deram-me as saudades do meu amiguinho.
Como ele gostava de correr na praia, de escavar buracos, de se molhar nas ondas!
Era meigo como uma pomba e forte como um touro e, claro, inconsciente da sua força.
Lembrei-me de tantas das nossas brincadeiras  e por isso me vieram à  ideia os versos do Alexandre O'Neill :

Cão

Cão passageiro, cão rasteiro cor de luva amarela,
apara-lápis, fraldiqueiro,
cão liquefeito, cão estafado,
cão de gravata pendente,
cão de orelhas engomadas,
de remexido rabo ausente,
cão ululante, cão coruscante,
cão magro, tétrico, maldito,
a desfazer-se num ganido,
a refazer-se num latido,
cão disparado: cão aqui,
cão além e sempre cão.
Cão amarrado, preso a um fio de cheiro,
cão a esburgar o osso
essencial do dia a dia,
cão estouvado de alegria,
cão formal de poesia,
cão-soneto de ão-ão bem martelado,
cão moído de pancada
e condoído do dono,
cão esfera de sono,
cão de pura invenção, cão pré-fabricado,
cão-espelho, cão-cinzeiro, cão-botija,
cão de olhos que afligem,
cão problema...

Sai depressa, ó cão, deste poema!

2011/06/21

O homem da perna de pau

(Nota introdutória: antes de prosseguir leia "Noites quentes", um post anterior, deste blog.)

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Lembro-me, quando era miúdo, quando vivia com os meus avós no bairro dos pescadores, do homem da perna de pau.

Era um homem velho, de cabelo cinzento e barba farta, encaracolada como ondas numa tempestade.

Lembro-me que sempre que o via imaginava que aquele homem era um pirata de alto mar, com muitas histórias para contar.

Como os meus avós me contavam muitas histórias eu pensava que era natural que os mais velhos contassem histórias e por isso, sempre que estava próximo do homem da perna de pau, procurava que me contasse alguma coisa.

Procurava que me contasse alguma história como a perseguição de uma baleia feroz ou o ataque de um polvo gigante que revirava facilmente pequenos botes no ar ou o avistar de um navio fantasma ou o doce convívio com sereias e o seu belo canto.

Procurava que me contasse alguma coisa sobre algum dos seus naufrágios, da sua longa vida de marinheiro, da sua doença de alto mar que lhe levou a perna ou remoinhos medonhos que engoliam navios inteiros ou ondas enormes que derrubam embarcações com os seus encontrões portentosos.

Procurava que me contasse alguma coisa mas, na realidade, nunca me contou nada.

Limitava-se a olhar para mim, com os seus olhos cinzentos, da cor do mar num dia sem sol.

E eu insistia e perguntava-lhe:

- Então e as sereias? Os polvos? E as baleias?

E insistia:

- E os trovões? Os relâmpagos? Os tubarões? E as misteriosas ilhas e as suas maravilhas?

E ele olhava para mim e nada. Nunca nada. Nunca uma palavra para mim.

Eu inventava situações, episódios, histórias inteiras que pudessem servir de rastilho para que o pirata de alto mar começasse a contar as suas histórias.

Mas nada.

Às vezes pensava que o homem da perna de pau não achava nada do que eu dizia interessante.

Às vezes pensava que nenhum daqueles rastilhos era interessante o suficiente para que ele quisesse contar as suas histórias e isso fazia com que eu fantasiasse ainda mais sobre o deslumbre que seriam as suas histórias, e isso fazia-me imaginar outras histórias para lhe contar para tentar mais uma vez que ele contasse alguma coisa e...

Caramba, que histórias seriam aquelas que ele tinha para contar?

Mas nada, nunca nada.

Alguns anos depois de o homem da perna de pau morrer, a minha avó contou-me que ele estivera preso a maior parte da sua vida e que fora na prisão que perdera a perna.

Quando a minha avó me contou isso, compreendi então o que o homem da perna de pau me disse ao ouvido, no seu leito de morte, com uma lágrima salgada - do mar que afinal ele nunca navegou - a escorrer em ziguezague pelos vincos das rugas da sua face:

- Obrigado pelas tuas histórias!



António, in "Memórias Inventadas"

2011/06/17

para o meu bando...



uma entrevista estupenda!

Preciso...

Preciso  (Marina Colasanti)

Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter olhos de sal
boca de peixe
e o vento frio batendo nas escamas.
Preciso que uma proa atravesse a carne
cá dentro
para andar sobre as águas
deitar nas ilhas e
olhar de longe esse prédio
essa sala
essa mulher sentada diante do computador
que bebe a branca luz eletrônica
e pensa no mar.



bjñs necessários
sfaia

2011/06/16

Em Guadalajara

Guadalajara, Maratona de los Cuentos, 10,11,12 junho 2011

Em Guadalajara há pássaros que cantam em todas as ruas
Em Guadalajara há contos que voam, histórias que encantam,
animais que falam, letras que flutuam suspensas no ar.
Em Guadalajara há crianças lindas e gente que espalha
milhares de palavras doces, sábias, belas, tristes e de medo
e também de esperança, cheias de alegria e também de amor
e de reflexão, de sonho e de tudo aquilo que enche
nosso coração.  Na terra dos contos, há já vinte anos,
há os melhores cuenteros, os mais generosos, os mais divertidos,
os mais envolventes, os mais inventivos. Todos se conhecem
e se reconhecem no amor pelos contos. E há pelo ar
ideias e risos... e ainda há mais coisas  em Guadalajara!


Obrigada Eraclio Zepeda, Nicolas Buenaventura,  Maricuela, Tim Bowley, Paula Carbalheira,
Carles García Domingo,  Jose Campanario, António Fontinha,  Xavier do Campo, Pep Bruno,
Rodorín,  Kico Cadaval, etc., etc.

luisa

2011/06/15

Jeremias #1

Encontrei ontem, passado mais de meio século, um amigo de infância. Na realidade, o Jeremias foi mais do que um amigo, foi o meu primeiro "melhor amigo".

Ontem reconheci o Jeremias pela forma estranha como caminha. Lembro-me que quando éramos meninos o Jeremias ficou com o pé esquerdo preso numa armadilha para cobras, que ele próprio tinha montado.

Aquela forma de se deslocar, compassada, com uma métrica bem definida e em ligeiro desequilíbrio para a frente, era só dele e foi por esse seu andar que o reconheci.

Jeremias vinha andando, nesse seu jeito, numa rua estreita da baixa de Lisboa, descalço, sujo, com roupas muito gastas, com três sacos de plástico nas mãos.

Aproximou-se da montra de uma loja, pousou os sacos e de um deles tirou um pano espesso que estendeu na laje de mármore maciça e inteira, na qual assentava o vidro da montra.

Deitou-se e deitado esticou-se para puxar para si um dos sacos, o da comida. Comeu bolachas de água e sal, comeu feijão directamente da lata e bebeu vinho branco do pacote.

Foi por livre opção sua que decidiu passar ali a noite naquela montra, naquela montra em particular e não noutra qualquer.

Na realidade, Jeremias tinha um grande número de montras que poderia escolher para dormir mas ontem apetecia-lhe aquela, a do dentista.

Às vezes gostava de dormir junto das montras de bancos e em sonhos imaginar-se a entrar por ali dentro, sem se deter em nada e a cumprimentar toda a gente, pessoas que estivessem à sua direita e pessoas que estivessem à sua esquerda, pessoas que estivessem atrás do balcão e pessoas que estivessem à frente do balcão, e toda essa gente, todas essas pessoas, o cumprimentavam, respeitosamente, no seu sonho.

Jeremias nunca entrou num banco... Não sabe a que cheiram nem sabe qual é a textura do chão que os seus pés descalços sentiriam.

Outras vezes Jeremias gostava de dormir nas montras de lojas de lingerie - e na baixa há muitas. Estas montras oferecem-lhe inspiração para sonhos mais ousados e sensuais. De manhã, quando acorda, às vezes, fica a olhar para os manequins na montra e a lembrar-se, ainda com o gosto dos beijos nos seus lábios, os momentos que viveram nessa noite, nas suas fantasias. Seriam só fantasias suas ou os manequins também fantasiavam?

Nem sempre os sonhos tinham a ver, de forma tão directa, com o tema da montra. Às vezes, um detalhe numa montra evocava outra montra e nessa outra montra Jeremias encontrava outro ponto de interesse e assim, em sonhos, percorria, numa vertigem, várias ruas da cidade.

Às vezes também lhe ocorria misturar tudo como, por exemplo, entrar no banco acompanhado por duas belas manequins de lingerie e ver toda a gente, as pessoas que estivessem à sua direita e as pessoas que estivessem à sua esquerda, as pessoas que estivessem atrás do balcão e as pessoas que estivessem à frente do balcão a cumprimentarem-no, respeitosamente, e a piscarem-lhe o olho.

Mas ontem não era nada disso que ele queria.

Ontem, ele queria dormir na montra do dentista porque se lembrava que há tempos tinha ido a esse consultório e quem o atendeu foi uma mulher que o acalmou e o fez deitar-se na sua cadeira recostada e o agarrou na sua cabeça com firmeza e cuidado, contra o seu peito. E nessa posição, com a cabeça entre aquelas mãos femininas, cuidadoras, e o peito da dentista, o Jeremias sentiu-se outra vez menino sendo cuidado pela sua mãe e recordou-se da sua infância, e ao recordar-se da sua infância lembrou-se de mim, o seu primeiro "melhor amigo".

Ontem, o Jeremias queria dormir ali porque queria sonhar comigo.




António, in "Memórias Inventadas"

2011/06/13


Hoje estou feliz: os italianos disseram definitivamente não ao nuclear, votando um referendum popular que proíbe a construção de centrais nucleares em Itália, contra o desejo de muitos políticos, entre eles o primeiro ministro Berlusconi. Lembrei-me desta história, que Umberto Eco escreveu já há muitos anos. Continua actual,  experimentem só trocar a palavra "bomba" por "central nuclear" e "general" por "primeiro-ministro".

A Bomba e o General

Era uma vez um átomo.
E era uma vez um general mau com uma farda cheia de galardões.
O mundo está cheio de átomos.
Tudo é feito de átomos: os átomos são pequeníssimos e, quando se juntam, formam moléculas que, por sua vez, formam todas as coisas que conhecemos.
A mãe e o pai são feitos de átomos. O leite é feito de átomos. A mulher é feita de átomos. O ar é feito de átomos. O fogo é feito de átomos. Nós somos feitos de átomos
Quando os átomos estão juntos harmoniosamente, tudo funciona na perfeição. A vida assenta nesta harmonia.
Mas quando se consegue quebrar um átomo… e as suas partes vão bater noutros átomos, que vão bater noutros átomos ainda, e assim por aí fora… dá-se uma explosão terrível! É a morte atómica.
Pois bem, o nosso átomo estava triste, porque estava metido dentro de uma bomba atómica. Junto com outros átomos, aguardava o dia em que a bomba seria lançada e eles se quebrariam, destruindo todas as coisas.
Ora, devem saber que o mundo também está cheio de generais que passam a vida a coleccionar bombas. E o nosso general enchia o sótão de bombas.
– Quando tiver muitas – dizia ele – vou fazer uma linda guerra!
E ria-se.
Todos os dias, o general subia ao sótão e punha lá uma bomba novinha.
– Quando o sótão estiver cheio – dizia ele – vou fazer uma linda guerra!
Como se pode não ser mau, quando se tem tantas bombas assim à mão?
Os átomos encerrados nas bombas estavam muito tristes. Por causa deles, ia haver uma enorme catástrofe: iam morrer tantos meninos, tantas mães, tantos gatinhos, tantas cabrinhas, tantos passarinhos, todos, afinal. Seriam destruídos países inteiros: onde antes havia casinhas brancas de telhados vermelhos e verdes árvores à volta… só ficaria um horrível buraco negro. E assim resolveram revoltar-se contra o general.
E uma noite, sem fazer barulho, saíram todos das bombas e esconderam-se na cave.
Na manhã seguinte, o general foi ao sótão com outros senhores.
Estes senhores disseram:
– Já gastámos um dinheirão para fazer estas bombas todas. Quer deixá-las aqui a ganhar bolor? O que pretende fazer, afinal?
– É verdade – respondeu o general. – Temos mesmo de começar esta guerra. Se não, nunca mais consigo fazer carreira.
E declarou guerra.
Quando se espalhou a notícia de que ia rebentar a guerra atómica, todos ficaram loucos de medo:
- Oh, se não tivéssemos deixado que os generais construíssem bombas! – diziam.
Só que era demasiado tarde. Todos fugiam das cidades. Mas onde podiam refugiar-se?
Entretanto, o general tinha carregado as suas bombas num avião e estava a lançá-las uma a uma sobre todas as cidades. Mas, quando as bombas caíram, como estavam todas vazias, não rebentaram!
E toda a gente, feliz por ter passado o perigo (até parecia mentira!), as usou como vasos de flores.
Descobriram assim que a vida era mais bela sem bombas. E decidiram nunca mais fazer guerras.
As mães estavam mais contentes. Mas também os pais. Todos, aliás. E o general?
Agora que já não havia guerras, foi despedido.
E, para utilizar a farda cheia de galardões, foi para porteiro num hotel. E como agora todos viviam em paz, vinham muitos turistas ao hotel. Até os inimigos de outrora. Até os soldados que antes o general tivera sob as suas ordens.
O general, quando entravam e saíam do hotel, abria a grande porta de vidro, fazia uma vénia ridícula e dizia:
– Bom dia, meu senhor!
E eles, que o reconheciam, diziam-lhe de muito má cara:
– Não tem vergonha? O serviço é péssimo neste hotel!
E o general ficava corado, corado, e calava-se.
Porque, agora, já não valia nada.

Umberto Eco
A bomba e o general
Lisboa, Quetzal Editores, 1989
Antonella

2011/06/12

silêncio...

Silêncio é o tema deste ano do Maraton de los Cuentos de Guadalajara... silêncio é a minha reacção por não poder ir... silêncio é o que vai haver pouco pelo palco do Palácio do Infantado e do Teatro Moderno durante o Festival... e isso é bom... porque assim também a Lu e a Cai não estarão silenciosas quando regressarem e nos contarem tudo... se bem que silêncio também pode ser muito bom (como nesta pequena pérola dos www.storypeople.com):

I sometimes wake in the early morning & listen to the soft breathing of my children & I think to myself, this is one thing I will never regret & I carry that quiet with me all day long.


Às vezes acordo cedo de manhã e escuto o suave respirar dos meus filhos e penso para comigo, isto é algo de que nunca me arrependerei e carrego esse silêncio comigo durante todo o dia.






bjñs ruidosos
sfaia

2011/06/09

Luis Cardoso, escritor de Timor

Folheando o JL desta quinzena, qual não é o meu espanto e encanto ao deparar com esta prosa! Perdoe-se-me esta falta de modéstia, mas é absolutamente irresistível:

"17 de Maio de 2011
Começo o dia pela Biblioteca de Oeiras. Passo pela secção infantil, onde a (minha filha) Clara dá largas à sua alegria com a extensão do espaço, com a quantidade e diversidade de livros e com a simpatia das funcionárias.
....
Toca nos livros e demora-se mais na prateleira dedicada ao tempo. Pega num livro onde se mostram os relógios. Gosta dos relógios, do tique-taque dos relógios. Tem isso tão presente na sua cabeça. Como se todos os objectos tivessem pulsação.  Inclusive aqueles que estão pintados nos livros.  Inclusive o combóio que passa aqui mesmo ao lado.  Nesta linha de  Cascais  onde não  vivem só betinhos.
.....
Aqui nesta Biblioteca de Oeiras fazem-se milagres.  As crianças entram tristes e saem felizes.  Crianças de escolas públicas e privadas, provenientes de vários extractos sociais, Visitam-na para ouvirem estórias. Estórias que contam os contadores de estórias. Falam, riem, choram, fazem caretas, pulam e dançam. Fazem tudo para que ninguém fique sem perceber a estória.
....."

Excerto de Aqui em Baixo é tudo Azul , crónica em forma de Diário in JL nº 1061, de Luis Cardoso, escritor de Timor considerado o mais importante ficcionista timorense, autor do romance Crónica de uma Travessia.

2011/06/03

Vem aí Nicolás

Nicolás Buenaventura vai estar em Lisboa e Almada entre os dias 7 e 9 de Junho, para sessões de contos e conversas.
Eu, muito contente. Já faz tempo, desde a última vez que o tivemos por cá. Quanto tempo faz!
Gosto de tudo, em Nicolás.
Da voz doce e pausada, dos olhos tantas vezes fechados ao contar, do jeitinho com que apoia um pé descalço sobre o outro, dos sorrisos que faz para dentro a meio dos contos.
Mas, principalmente, gosto dos contos que conta e que torna profundamente seus.

Para festejar a vinda de Nicolás, transcrevo um dos pequenos textos do seu livro Palabra de Cuentero, ed. Palabras del Candil, Guadalajara.

"El mundo, reducido a la pantalla de un televisor, resulta estrecho. Agregaria que hace poco leí un artículo, en una revista científica, en que contaban que habían medido, con aparatos muy sofisticados, la actividad cerebral de varias personas que leían, veían televisión, escuchaban música, escuchaban historias. Las proporciones eran muy halagadoras para los que nos dedicamos a contar historias en vivo. La actividad mínima, menos de un 5%, resultaba cuando la persona estaba sentada viendo televisión, y tendía a bajar. Y la máxima era cuando escuchaba historias y más todavía, historias con música (no cantadas) y tendía a aumentar, de un 80% a un 85%. No sé qué tan fiable era el experimento pero me permite reafirmarme en una intuición: el cuento es un instrumento de pensamiento."

É isso, Nicolás!

Cláudia

2011/06/02

de tarde

Entra Junho e esta magnífica primavera do meu contentamento faz-me pensar em passeios, bosques, pique-niques....




Naquele pic-nic de burguesas
houve uma coisa simplesmente bela
e que, sem histórias nem grandezas
em todo o caso dava uma aguarela

Foi quando tu, descendo do burrico,
foste colher, sem imposturas tolas,
a um granzoal azul de grão de bico
um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima dos penhascos,
nós acampàmos, inda o sol se via
e houve talhadas de melão, damascos
e pão de ló molhado em malvasia.

Mas todo púrpuro a sair da renda
dos teus dois seios como duas rolas,
era o supremo encanto da merenda
o ramalhete rubro de papoulas!

Cesário Verde