2011/09/30

eu também tive avó!

 Gostei muito do avô do António, do avô da Antonella... e então eu, não tive avós?
Claro que tive, lembro-me bem da minha avó Luísa, de quem herdei o nome, e da história do divã. Aqui está ela: 



O divã da minha avó

Quando eu era criança a nossa família vivia numa casa grande, em Lisboa que, apesar de ter muitas divisões, não tinha propriamente uma sala de estar. Por isso a nossa sala de estar era a sala de jantar, que era enorme e onde havia, não um sofá, mas um magnífico divã cheio de almofadas de várias cores. Era o sítio onde eu mais gostava de me sentar, ou acocorar, ou ajoelhar, ou reclinar,ou deitar conforme as circunstâncias. Porque havia o cadeirão da minha avó Luísa onde mais ninguém se podia sentar, o cadeirão do meu pai, idem, a cadeira de descanso da minha mãe, idem, idem e as cadeiras vulgares de sentar à mesa que eram de costas direitas e não estofadas e não davam jeito nenhum para descontrair. Ali no divã grande sim, toda a gente se podia sentar, normalmente com um certo aprumo, mas às vezes também sem aprumo nenhum e até se podia cabriolar se o meu pai não estivesse presente. Até o gato podia ir para o divã! Ah, aquele divã! Com uma coberta de seda amarela escura, côr de ouro velho e cheiinho de almofadas! A minha avó também se sentava lá muitas vezes para que nós as crianças pudéssemos ir-lhe para o colo e conversava connosco, conversava. Contava coisas da vida dela, de quando era nova ou mesmo de quando era pequenina e eu ficava sempre pasmada a ouvir porque era tão incrível, tão completamente impossível que ela tivesse sido do meu tamanho alguma vez, ou que tivesse sido rapariga nova como as minhas irmãs mais velhas, que tudo o que ela dizia tinha um sabor a conto de fadas, como se fosse de um outro mundo. E a história do divã! Era mesmo um divã precioso. Ela de vez em quando contava a história do divã:
“Este divã, minha filha, embora esteja em casa do teu pai, era meu. Fui eu que lho dei. Deu-mo a minha avó Roberta, antes de morrer, que por sua vez o recebeu como herança de uma grande amiga que ela tinha. Chamava-se Zaida e era turca. Tinha vindo com os pais para Portugal quando era pequena; Vieram fugidos da Turquia porque eram cristãos e naquela época tinha havido lá uns problemas entre os muçulmanos e os cristãos. Embarcaram com tudo o que puderam reunir, mas o navio naufragou e a única coisa que se salvou, para além das pessoas, foi este divã! Vê tu, minha filha, estás sentada num divã que já viveu na Turquia, muito loooonge, onde se sentavam de pernas cruzadas pessoas turcas a falar uma língua estranhíssima, mulheres tapadas com véus, homens de grandes bigodes retorcidos a fumar cachimbos de água e a comer pistachios. Atravessou o mar, sofreu uma tempestade terrível e quase foi ao fundo, mas escapou. Veio ter a uma praia do Algarve juntamente com as pessoas que se conseguiram salvar e por fim foi levado para a casa onde foram viver os pais da pequena Zaida que o lavaram, secaram, poliram, enceraram e trataram com todo o carinho, pois era a única peça de mobília que tinham da sua vida passada. E quando os pais morreram ficou para a Zaida e quando a Zaida morreu ficou para a minha avó e quando a minha avó morreu ficou para mim e eu dei ao teu pai e, quem sabe, quando o teu pai morrer um dia talvez possa ficar para ti?”
Para mim a história do divã era toda ela tão longínqua e estranha como a impossível ideia de que o meu pai morresse algum dia. Era um conto de fadas. Não que eu não acreditasse, mas acreditava como acreditava nos contos de fadas, uma espécie de realidade paralela, a um outro nível, que não tinha nada que ver com o facto simples e evidente de eu estar ali aos pulos do divã para o chão e do chão para o divã e a atirar almofadas ao gato. Mas só as almofadas mais pequenas.
Luísa

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