2011/09/26

Também tenho lembranças do meu avô Telemaco, pai do meu pai, que nunca cheguei a conhecer; tanto que esta lembrança está meia inventada e meia roubada, chegando a ser mais viva do que a verdadeira.
Quando era pequena, o mundo também era mais pequeno. A televisão ainda não tinha chegado à nossa aldeia.Não tínhamos televisão mas tínhamos lareira. E à frente da lareira havia sempre um avô ligado que contava.
Nós tínhamos sorte, porque tínhamos com certeza o melhor avô das redondezas. Alguns tinham avôs que adormeciam e desligavam logo, outros tinham avôs xexés que não sabiam contar nada, outros nem tinham avô, e passavam tristemente o serão olhando para as cinzas e ouvindo os estalidos da fogueira. Mas o nosso avô Telemaco, um exemplar robusto de 87 anos, era um extraordinário contador de lareira, e vinham de todo o lado para ouvi-lo. Diziam: “à noite vamos para a casa dos Melros, lá têm um Telemaco 87, dois polegares, que conta a história da Grande Seca de 1748…”. Ou também:”Mãe, hoje à noite o Telemaco tem o programa de contos e lengalengas para crianças, podemos ir?”. Na sexta-feira havia o serão a luz vermelha: contos porcos e picantes do local, no sábado eram os contos de guerra. Mas eu gostava era do Domingo, porque o avô Telemaco bebia a dobrar e desatava a contar sem parar, e tudo acabava só lá para as três da manhã.
Lembro-me que sentávamos todos à volta da lareira, onde ardia uma linda fogueira, e o avô Telemaco voltava da eira, onde tinha ido dar de comer aos animais, tirava as botas e, para começar, dava as previsões do tempo mexendo nos calos.
Seguiam as notícias do dia: vinhais, vacas, pegas na aldeia, estragos de maquinarias. A seguir, depois de um grande bocejo, que era o genérico para 0 fim das notícias, o avô Telemaco fazia a pontuação do conto disparando grandes arrotos, e este era o sinal que tinha comido bem, que podia ser considerado o spot publicitário da cozinha da avó.
(Outro spot era quando a cabeça caia de lado, o avô parava e quase adormecia. Mais do que um spot era como quando aparece a escrita “pedimos desculpa para a interrupção momentânea dos programas”, mas bastava atirar uma castanha inteira ao fogo, e com o barulho do estrondo o avô Telemaco recomeçava.)
Havia fábulas, contos de pescas milagrosas, aulas de agricultura, lendas do vale e contos épicos como o grande duelo das escavadoras, ou a captura do touro apaixonado, ou a construção do campo de futebol. Mas a minha preferida era a praga dos Sapos Gigantes. Um colossal de fanta-horror inspirado em factos verídicos acontecidos à 50 anos atrás. Os serões mais aborrecidos, pelo contrário, eram os cor-de-rosa, quando vinham as senhoras e queriam saber Como o Avô Tinha Encontrado a Avó, e Como Acabou o Casamento do Factor, e depois havia um pouco de fofoquices e o debate.
O avô até teria preferido contar outra coisa, mas o seu era um serviço público e por isso tinha que contentar toda a gente. Por volta da meia-noite havia o genérico final, um bocejo que mais parecia o som de uma sineta, e depois todos para a cama.
(O conserto do avô – Bar sport duemila – S. Benni)
Descansa avô... e obrigada pelos contos incríveis.
Anto

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